Esperar em silêncio

Catarina Neves, jornalista da SIC e professora adjunta convidada da Escola Superior de Tecnologia de Abrantes

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De Chico Buarque começamos por roubar o conselho que dá na canção “Futuros Amantes” do álbum “Paratodos”, de 1993: “não se afobe, não / Que nada é pra já / O amor não tem pressa / Ele pode esperar em silêncio”. Esperar em silêncio pode ser uma forma de sobreviver, mas pode também chegar o dia em que é preciso dar um grito.

O tema “silêncio” escolhido para ganhar forma de sons e imagens pelas mãos dos Repórteres em Construção (REC) inspirou-nos a ponto de termos material para dois episódios. No primeiro, encontrará os sons da cidade que fervilha, os silêncios da aldeia que definha e do mosteiro que respira e o clamor de quem não aguenta mais a dor.

Neste novo episódio, voltamos à violência doméstica. Desta vez, na voz de uma mulher que deu o passo para fora de casa, com uma filha ao colo e uma certeza: o sofrimento não podia esperar mais em silêncio.

A seguir, ouviremos o testemunho de austeridade da única ordem contemplativa masculina, em Portugal, até ao final do ano passado. Os quatro monges que viviam num mosteiro em Évora deixaram aquele espaço religioso no Alentejo, por determinação da Ordem dos Cartuxos. Mudaram-se para Espanha. O mosteiro de Scala Coeli que, traduzido do latim, quer dizer “escada para o céu”, é hoje ocupado por uma congregação feminina. Ao saírem, os monges cartuxos levaram com eles o imenso silêncio que os ergue e define.

A meia hora de carro, existe uma aldeia criada no século XIX. A Casa Branca nasceu quando foram construídas duas linhas de caminhos de ferro que, ali, fazem um entroncamento. Uma vai para Beja e outra leva até Évora. Estamos em Montemor-o-Novo, mas já sem a agitação de outros tempos, quando eram célebres as bifanas da Casa Branca.

Da acalmia forçada pelo abandono gradual, saltamos para a pressão de uma cidade como Lisboa. Aí as contradições são a gramática fundadora. Do Marquês de Pombal à Igreja do Sagrado Coração de Jesus distam poucos passos. Dois espaços vizinhos e antagónicos: um aceita o bruaá da capital. O outro celebra o silêncio. Vamos ouvi-los?

Forçados a ficar em casa, nos últimos meses, muitos de nós descobrimos silêncios novos, fruto de novas rotinas. As quatros reportagens que apresentamos neste segundo REC em volta do silêncio foram, no entanto, planeadas e realizadas quando o mundo ainda não sabia que estava na hora de se fechar para se proteger de um novo vírus.

Voltamos a Chico Buarque, “agora falando sério”. Tal como ele concluímos: “Eu quero fazer silêncio / Um silêncio tão doente / Do vizinho reclamar / E chamar polícia e médico / E o síndico do meu tédio / Pedindo pra eu cantar”.

Neste programa participaram Rita Murtinho, Daniel Borges, José Candeias, Miguel Mateus e Rita Madeira, da Universidade Nova de Lisboa; e Bruno Serrão da Universidade Autónoma de Lisboa. A locução é de Rui Miguel Godinho, do Instituto Politécnico de Portalegre. A pós-produção áudio é de Miguel van der Kellen e a edição e coordenação são de Catarina Neves, jornalista da SIC e professora adjunta convidada da Escola Superior de Tecnologia de Abrantes.