Geração Z

Não querem ou não conseguem sair de casa dos pais?

Liliana Marques e Maria Gonçalves (Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa)

O rendimento é baixo e as despesas são muitas, mas espera-se que os jovens saiam de casa dos pais e sejam autónomos financeiramente. Em Portugal, ano 2022, é uma expectativa realista?

A preocupação com a habitação é um tema transversal a todas as gerações.  Segundo um estudo realizado em 2021 pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, três em cada quatro jovens ganham menos de 950 euros. Com este nível salarial, enfrentar as rendas elevadas é um desafio complicado para a geração Z. Em 2021, o preço médio de uma casa em Lisboa atingiu o valor recorde de 220 mil euros.

O mito dos jovens conformados

São a geração que ocupa as ruas em nome da emergência climática, que utiliza as redes sociais como uma plataforma de luta social e a mais qualificada de sempre em Portugal.Mas também são os que se deparam com os custos de renda mais elevados, onde a despesa anual média das famílias com a habitação mais do que duplicou em 26 anos, com a inflação do mercado imobiliário e que moram até mais tarde em casa dos pais: em 2018, a percentagem de jovens adultos, entre os 18 e os 34 anos, que viviam com os pais atingiu os 64%, segundo um estudo da Fundação Calouste Gulbenkian, que analisou o acesso à habitação em Portugal numa perspetiva intergeracional. A gen Z não quer sair de casa dos pais, ou não o consegue fazer?

Fonte: Habitação Própria em Portugal numa Perspetiva Intergeracional, Fundação Calouste Gulbenkian (2019)

O mito de que os jovens são preguiçosos, comodistas e que não querem trabalhar para sair de casa dos pais ganhou força, principalmente entre as gerações mais velhas. Mas a realidade é mais dura e, segundo um estudo do Observatório Imobiliário da Century 21, a falta de meios económicos (16,4%), o desemprego (6,4%) e a instabilidade laboral (4,7%) são os principais fatores condicionantes na hora de “sair do ninho”. Esta instabilidade laboral foi agravada pela pandemia do COVID-19, onde os trabalhadores jovens, entre 2019 e 2020, conheceram aumentos mais altos no desemprego em comparação com trabalhadores mais velhos, de acordo com um relatório da OCDE de novembro do ano passado.

Comprar uma casa é difícil e partilhar casa parece ser a melhor opção para jovens até aos 24 anos e estudantes com rendimentos mais baixos, mas os obstáculos continuam a ser muitos. Susana Garcia tem 23 anos e nasceu em Elvas, mas o desejo de se licenciar em Relações Internacionais e a falta de opções viáveis perto de casa trouxeram-na para Lisboa, onde vive há cinco anos, e desabafa sobre as dificuldades no processo de ganhar a sua independência: “Nós somos das gerações mais qualificadas de sempre, com mais projetos, vivência e cursos, mas somos mesmo muito frágeis. Fala-se muito de não sair de casa dos pais, mas de facto nós queremos mas ou não conseguimos, ou temos que sacrificar muita coisa”.  Susana paga 200 euros por um T4, localizado em Arroios, dividido entre cinco pessoas, e no qual a sala de estar foi transformada em mais um quarto, o que retira à casa uma grande comodidade. Também o barulho é um fator negativo, juntamente com a dificuldade em conseguir que os senhorios arranjem as coisas que se estragam em casa. Apesar disto, e de considerar que o preço da renda não é justo para as condições em que vive, reconhece que, mesmo assim, o valor desta renda em Lisboa é um achado e os dados recolhidos pelo Observatório Imobiliário da Century 21 confirmam: Lisboa é a região onde os jovens indicam ter um custo maior com as despesas da habitação, a atingir os 425 euros mensais, muitas vezes por apenas um quarto.

“Nós somos das gerações mais qualificadas de sempre, com mais projetos, vivência e cursos, mas somos mesmo muito frágeis. Fala-se muito de não sair de casa dos pais, mas de facto nós queremos mas ou não conseguimos, ou temos que sacrificar muita coisa”.

A renda é acessível, mas difícil de gerir. Apesar de estar licenciada, por trabalhar, como mediadora de seguros e, portanto, fora da sua área de estudos, recebe o ordenado mínimo e os pais não conseguem ajudar: “Eu tenho uma disciplina orçamental muito rígida, que tem que chegar para fazer a gestão da vida mas também para sobrar um bocadinho, porque somos uma geração muito precária, hoje tenho emprego, amanhã posso já não ter e se eu não tiver o que é que acontece?”. Este receio é partilhado um pouco por todo o mundo: em outubro de 2020, em 25 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), 53,4% dos jovens, dos 18 aos 29 anos, revelaram-se preocupados por não conseguir encontrar ou manter uma habitação no próximo ano ou dois, em comparação com 44,1% da população total, segundo um relatório da OCDE.

Diana Neves tem 21 anos, é natural de Pombal e frequenta o 3º ano da licenciatura em Ciências da Comunicação na NOVA FCSH. Mudou-se para Lisboa em 2019, quando ingressou no ensino superior, e pretende continuar em Lisboa, pelo menos enquanto conseguir suportar os gastos inerentes a viver na metrópole. Com uma renda de 300 euros por um quarto, coberta pelos pais, e o apoio da bolsa que cobre também as despesas da propina, sobram ainda muitas contas para pagar, e que estão à sua responsabilidade, como a alimentação, o passe, as viagens a casa e todas as despesas do dia-a-dia. Uma gestão apertada que  só consegue através do dinheiro que poupou através dos trabalhos arranjados durante as férias de verão.

Diana partilha a visão de Susana relativamente aos preços das rendas na capital: “Vamos admitir que nunca é justo para nenhum estudante pagar aquilo que pagamos para estar nos quartos [em] que estamos”. Embora considere que a bolsa lhe dá algum “ar para respirar”, estes 220 euros não são o suficiente para suportar os gastos mensais, e aponta que estudar longe de casa é um fator de stress constante: “O dinheiro da bolsa e dos pais ajuda mas se não houver já alguma poupança não dá para ter uma vida descansada, está tudo contado e é uma vida muito stressante porque estamos sempre dependentes do dinheiro para fazer as nossas escolhas e é tudo muito incerto”.

“Vamos admitir que nunca é justo para nenhum estudante pagar aquilo que pagamos para estar nos quartos [em] que estamos”.

Ter mais liberdade e adquirir responsabilidade são as duas principais razões apontadas pelos jovens entre os 18 e os 25 anos para sair de casa, na continuação do estudo do Observatório Imobiliário, o que contraria a tendência para a generalização de que os jovens se acomodaram ao conforto da casa dos pais e que não desejam ganhar responsabilidade. Na hora de balançar o peso entre viver uma vida mais difícil em Lisboa, ou optar por estudar mais perto de casa e morar com os pais, Tiago Inácio, de 19 anos e estudante de Filosofia, deixa claro a mais-valia da independência: “A diferença foi essencialmente os meus pais, pois dou-me melhor com eles à distância. Sinto-me mais independente, posso fazer o que quero e quando quero”. Embora morar com os pais fosse a escolha mais financeiramente segura e estável, o desejo de independência é um fator de maior peso na balança.

Tiago nasceu em Torres Vedras, está a morar em Lisboa há cerca de ano e sente na pele a precariedade. Sem a possibilidade de ter apoio financeiro dos pais, o estudante viu-se obrigado a trabalhar enquanto estudava. Durante o primeiro ano do segundo semestre, conseguiu um part-time onde trabalhava 25h por semana e recebia cerca de 400 euros, que dava para pagar pouco mais do que a renda de 250 euros que paga pela casa que divide com outras 4 pessoas. Mesmo com o apoio de 135 euros da bolsa, este valor revela-se insuficiente, e cortando o valor da propina o estudante afirma que tem “cerca de 67 euros para viver um mês, o que é impossível”. Esta inflexibilidade financeira reflete-se até na organização da alimentação, onde muitas vezes cozinha a contar para mais dias (para não ter que gastar dinheiro na cantina da faculdade) e opta por comer menos à noite, porque sabe que logo a seguir vai dormir, e portanto não precisa de comer tanto. O mote é o mesmo: “ser o mais rentável possível”, mas levado ao extremo. Atualmente, se não está a trabalhar enquanto estuda, é porque não consegue arranjar trabalho, e a sua salvaguarda é a poupança financeira que tem feito desde os 15 anos, idade com que começou a trabalhar como árbitro desportivo. Entre os trabalhos aos fins de semana e os anos em que trabalhou na reposição de um supermercado, Tiago afirma que não poderia estar em Lisboa se não tivesse essa poupança já de trás.

Apesar da realidade mostrar que a grande maioria dos jovens têm enfrentado dificuldades significativas no acesso à habitação, a preços acessíveis e de qualidade, Tiago reflete sobre a percentagem de jovens com baixos rendimentos que enfrentam desafios ainda maiores, visto que não podem contar com o apoio económico da família.

“Eu, se quero estudar, vou ter de estar sempre no regime noturno para poder trabalhar e manter esta casa, este ritmo e estilo de vida, porque não é possível fazê-lo de uma outra forma”.

Para além das dificuldades financeiras, o equilíbrio entre a vida académica e o trabalho não foi fácil: “Houve uma vez que tinha uma frequência num dia, que podia entregar entre as 16h até às 00h, cheguei a casa eram 23h e tive que fazer tudo à pressa”. Durante a pandemia, esta conciliação traduziu-se, muitas vezes, em gravar as aulas e vê-las depois do trabalho: “Eu entrava às 15h30 e tinha aulas até as 17h30, e [enquanto trabalhava] tinha que criar todo um programa para quando uma aula acabasse ir ligar a outra e gravar automaticamente. Era complicado porque às vezes não funcionava, perdia as aulas, ou não tinha tempo para estudar, porque chegava a casa cansado.”

A necessidade de trabalhar para conseguir compensar as despesas de viver em Lisboa é também sentida por Susana, que tenciona ingressar no mestrado em Ciências da Comunicação este ano, mas continuar a trabalhar: “Eu, se quero estudar, vou ter de estar sempre no regime noturno para poder trabalhar e manter esta casa, este ritmo e estilo de vida, porque não é possível fazê-lo de uma outra forma.”

Ter que estudar e trabalhar ao mesmo tempo foi a realidade que Barbara Adams, com 20 anos, viveu durante o primeiro semestre da faculdade até acabar por desistir e congelar a matrícula. Imigrou do Brasil para Portugal em 2017 com o objetivo de procurar uma educação e uma qualidade de vida melhores.. Vive em Almada com a mãe, que é empregada doméstica e ganha pouco mais do que o ordenado mínimo e paga uma renda de 400 euros por um T2. Desabafa sobre o cansaço que sentia na altura em que trabalhava enquanto estudava para conseguir pagar as propinas e ajudar a mãe nas despesas: “A minha cabeça não se conseguia concentrar-se porque fui acumulando cansaço e foi uma experiência muito difícil psicológica e fisicamente “.

Da parte da manhã trabalhava em part-time na restauração, em que recebia cerca de 400 euros, que pouco chegava para viver o resto do mês: “Eu com os 400 euros que ganhava, 250 eram para a faculdade, isto é, propina e despesas de alimentação, mais o valor do passe [de transportes], mais a quantia que eu ajudava em casa, que era 120 euros naquela época, e mais as minhas despesas do dia-a-dia. Ou seja, não sobrava dinheiro nenhum, eu não conseguia juntar nada, e o que eu ganhava era para viver naquele mês e nem sempre chegava.” Isto levou a que muitas vezes cedesse à pressão de fazer horas extraordinárias, que se traduzia em menos tempo de estudo e em faltar a muitas aulas. Para além disto, por não ter contrato de trabalho, vivia constantemente sob o medo de ser despedida: “Eu me sentia extremamente insegura por não ter um contrato e eu podia a qualquer momento ficar sem emprego e não teria como pagar a faculdade”. O apoio financeiro da mãe sempre foi complicado, visto que esta já carregava a maior parte das despesas apenas com o salário mínimo.

“A minha cabeça não conseguia concentrar-se porque fui acumulando cansaço e foi uma experiência muito difícil psicológica e fisicamente”.

Esta pressão, acumulada com a falta de tempo para os pequenos prazeres da vida refletiram-se a nível emocional: “Com esse pouco tempo eu também não consegui fazer amizades na faculdade, sentia-me muito sozinha, sem apoio, não tinha aquela pessoa a quem pedir os apontamentos ou explicar-me alguma coisa, era eu sozinha lutando contra tudo”. Apesar de ter sido difícil tomar esta decisão, optou por congelar a matricula e dedicar-se a trabalhar e a juntar dinheiro durante mais algum tempo, mas mesmo assim afirma que quando voltar para a faculdade, terá que continuar a ter um emprego para suportar todas as despesas, e agarra-se à esperança de encontrar um trabalho mais perto de casa ou da faculdade.

Marta Martins, licenciada em Gestão, enfrentou as dificuldades de ser trabalhadora-estudante: mudou-se de Proença-a-Nova para Lisboa após a licenciatura, e teve de trabalhar durante toda a duração do mestrado. Paga 350 euros de renda por um quarto que considera “mesmo muito pequeno, só dá para uma cama de solteiro”, numa casa que era inicialmente um T3, e que foi modificada para um T6. Partilha a casa com outras 5 pessoas e desabafa sobre o quão difícil é, por vezes, viver com tantas pessoas: “Nunca tens privacidade, nunca te sentes completamente à vontade na tua própria casa.” Para além disto, por ser inicialmente um T3, a casa não tem o tamanho suficiente para acomodar 6 pessoas: “já aconteceu estarmos a tentar cozinhar quatro pessoas ao mesmo tempo e não dá. A cozinha são três armários” .A receber pouco mais de 700 euros, e com uma renda de 350, sem a ajuda dos pais, “viver em Lisboa e pagar um mestrado de 6000 euros era impossível”, quando de três em três meses tinha uma prestação de 975 euros para pagar.

Esta precariedade é também reflexo dos salários baixos. O estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos mostra que quase três em cada quatro (72%) recebem menos de 950 euros líquidos por mês e apenas uma minoria vive confortavelmente com o que ganha (19%).

Embora sair de casa dos pais pareça sinónimo de ser independente, a verdade é que os preços inflacionados das rendas e a instabilidade do mercado imobiliário também se refletem na impossibilidade dos jovens viverem completamente sozinhos. A percentagem de jovens até aos 29 anos com casa própria tem vindo a diminuir drasticamente desde o início do século e estima-se que, em 2017, apenas um quarto dos jovens  tinha habitação própria, refere um estudo da Fundação Calouste Gulbenkian.

Fonte: Observatório das Desigualdades (2018)

A maioria esmagadora que não vive esta realidade está sujeita a dividir casa, ou com outras pessoas, ou com um parceiro, o que permite a divisão das despesas. Um jovem, sozinho, tem uma vida muito mais dificultada e precária, e atualmente, na capital, cada vez mais rendas de apenas um quarto se aproximam do preço das rendas de um T2.

Fonte: Observatório das Desigualdades (2018)

O preço elevado das rendas, não só em Lisboa, como também no Porto e perto das grandes cidades, reflete a falta de oferta formativa em zonas mais periféricas ou interiores do país, já  que muitas vezes as universidades ou cursos não correspondem às necessidades dos jovens. Para além disto, a ausência de meios de transporte no interior também dificulta o processo:  “Eu podia ter estudado aqui [Elvas], mas não tinha meios de transporte. Era mais fácil chegar a Lisboa do que a localidades que estão a 60km de mim, e teria sido muito mais fácil gerir o orçamento de uma filha a estudar perto de casa”, explica Susana.

Lazer e saúde mental relegados para segundo plano

Estes cincos jovens refletem as consequências de uma geração precária: a dificuldade em aproveitar a vida e a síndrome de burnout. Para Susana, a constante pressão entre cobrir todas as suas despesas e conseguir, ao mesmo tempo, poupar algum dinheiro, têm uma repercussão na sua saúde mental, e o lazer torna-se um privilégio. Já perdeu a conta ao número de vezes em que recusou jantar com amigas ou simplesmente comprar um livro por insegurança financeira: “Eu esqueço-me que tenho lazer, e depois esse investimento é revertido em consultas de psicologia, que têm que ser mais frequentes e persistentes porque eu não invisto na minha saúde mental, no sentido de desfrutar da vida, porque é também para isso que andamos cá”. Mas o pouco investimento no acesso à saúde mental levam a que muitos jovens não possam recorrer, por questões económicas, a consultas de psicologia, que chegam a custar 50 euros. No caso de Susana, que paga 35 euros por consulta, é um conforto do qual não pode abdicar: “Irei sempre fazer as minhas sessões de psicologia, claro que sim, mas se calhar podia-se ver o lazer como uma parte complementar da saúde mental, e não estar só a depositar num ato único, quinzenal, a minha saúde mental, porque a saúde mental não é só ir ao psicólogo e ter boas atitudes.”

“Eu esqueço-me que tenho lazer, e depois esse investimento é revertido em consultas de psicologia, que têm que ser mais frequentes e persistentes porque eu não invisto na minha saúde mental”.

O constante receio da precariedade e da instabilidade refletem-se na saúde mental não só de Susana, mas de um número significativo de jovens: um estudo realizado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos revela que quase um quarto (23%) dos jovens já esteve medicado com ansiolíticos ou antidepressivos e 12% tomam regularmente medicamentos para dormir.

Também Diana sente que todos os seus gastos envolvem uma grande ponderação, desde a compra de uns brincos ou a ida a um jantar com amigos, porque qualquer despesa que tenha, para além das já previstas, causa uma disrupção. São frequentes os momentos em que tem de abdicar de ir jantar fora com amigos e ficar de fora de planos por não ter forma de suportar a despesa e abdicar de momentos tornou-se parte da rotina. “É tão irritante porque estamos naquela fase da vida em que queremos fazer tudo, estar com os amigos, e não podemos ir.”

A rotina de Tiago confirma esta tendência: apesar de valorizar a sua independência e se sentir melhor, pessoal e academicamente, os gastos na capital são muito superiores, e sem um emprego à vista, vê-se obrigado a tornar o seu dia-a-dia num balanço entre gasto e necessidade. “Se calhar não vou comprar [desde livros a bilhetes de cinema e refeições] e sair porque tenho que comer”.

Para estes jovens, o lazer não é uma prioridade, nem o dinheiro o permite. Os prazeres do dia-a-dia, como beber um café, lanchar com amigos ou comprar uma peça de roupa, são relegados para segundo plano e o lazer é considerado uma comodidade de luxo, de que não conseguem usufruir como gostariam. Mas a vida não pode ser só trabalhar para pagar as contas ao final do mês, e a constante preocupação com o futuro, fruto da instabilidade laboral e dos baixos salários, reflete-se nas oportunidades de vida: “Cerca de 40% dos jovens consideram que a vida que levam está abaixo ou muito abaixo das expectativas que tinham e um terço dizem-se pouco felizes”, apresenta o mesmo estudo.

Que soluções apresentam as Eleições Legislativas de 2022 para a habitação precária e para a habitação jovem?

Com a aproximação da data das eleições legislativas, que decorrem a 30 de janeiro, o tema da habitação jovem, pela sua atualidade e relevância, não passou despercebido e está presente na grande maioria dos programas eleitorais dos partidos que se candidatam às Eleições Legislativas de janeiro de 2022. Surge então, uma questão inevitável: Observa-se na política e, mais concretamente nos programas eleitorais destas eleições legislativas, uma tentativa de combate à habitação precária dos jovens? Uns mais completos, outros menos, mais ou menos intuitivos, com soluções mais ou menos concretas, quase todos os programas eleitorais têm pelo menos um ponto referente a esta temática.

Mas, na prática, quais as soluções apresentadas para a habitação precária dos jovens pelos diferentes partidos?

 Algumas das medidas apresentadas pelo Partido Socialista passam pelo apoio aos jovens, em particular os residentes em zonas urbanas, através da promoção de “um amplo parque habitacional público e cooperativo, capaz de dar resposta no mercado de arrendamento” e reforçar o programa, já em curso, Porta 65 Jovem e torná-lo compatível com o Programa de Arrendamento Acessível, de forma a assegurar a acessibilidade total às habitações que são disponibilizadas aos jovens e reforçar o apoio já dado pelo Porta 65 Jovem.

O Partido Social Democrata apresenta a proposta da realização de um reforço ao programa Porta 65 e de um incentivo às autarquias para isentar do imposto sobre transmissões onerosas de imóveis (IMT) as aquisições de primeira casa de habitação permanente para jovens.

O Partido Comunista Português propõe o desenvolvimento e atualização dos sistemas de acesso, no arrendamento e compra, à habitação pelos jovens, a promoção de habitação social para estes, a divulgação e alargamento do acesso ao Incentivo ao Arrendamento Jovem e o apoio ao cooperativismo dos jovens, através da construção com custos controlados e a auto-construção.

O Bloco de Esquerda defende a reabilitação de edifícios degradados, cujo objetivo é possibilitar o regresso dos jovens ao centro das cidades e propõe ainda várias medidas mais gerais no âmbito da habitação. Já os partidos com menor percentagem de assentos parlamentares, como o CDS e o Chega, dedicam pouco ou nenhum espaço ao tema da habitação jovem, ausente no programa eleitoral do CDS e restrito a uma linha no caso do Chega, cuja Juventude propõe a facilidade de acesso jovem ao crédito à habitação.

O LIVRE e a Iniciativa Liberal têm algumas propostas que passam, no caso do LIVRE, pela reformulação dos programas públicos de apoio ao arrendamento de habitações por jovens, através de uma comparticipação do valor da renda. Já a Iniciativa Liberal realça a importância das universidades, enquanto parte da solução, e propõe, neste sentido, uma maior oferta de residências para estudantes e de Ação Social e a alteração as regras de acesso a bolsas, de forma a abrangerem um maior número de estudantes e uma reforma no funcionamento das bolsas.

O PAN, por sua vez, reconhece a existência de uma grave crise habitacional, transversal a todas as idades e gerações e, particularmente, para os jovens, que segundo o partido, são quem mais dificuldade tem em aceder à habitação. Propõe, neste sentido, medidas como a revisão do programa Porta 65, para que este apoie despesas iniciais, como cauções e a primeira renda, a aposta em programas de apoio através de benefícios fiscais a proprietários de maneira a possibilitar rendas mais acessíveis aos estudantes, a conversão de imóveis públicos desocupados em habitações para jovens, a garantia de que em todos os projetos de habitação pública há sempre uma percentagem destinada aos jovens e o aumento da verba do Orçamento de Estado reservada ao Arrendamento Jovem.

O problema da falta de representatividade política

Quando questionados sobre a representatividade (ou falta dela) deste tema no discurso político no âmbito nacional, os jovens não hesitam: não se fala suficientemente da precariedade habitacional. Estes jovens consideram que há uma maior aproximação e uma tentativa de encontrar soluções por parte dos partidos de esquerda, particularmente o Bloco de Esquerda, e concordam que os preços da habitação subiram bastante nos últimos anos, algo que reflete a pouca preocupação do Governo na procura de alternativas relativamente à habitação jovem e aos problemas a ela inerentes.

Tiago Inácio afirma que “gostaria de ver mais ajuda, na prática, a alunos deslocados, seja com subsídios ou através do aumento das bolsas”, para além de apoiar a abolição da propina, já que, sem esta despesa, teria uma vida mais folgada.

“A precariedade habitacional dos jovens e o alojamento para estudantes deslocados não tem lugar no espaço político”.

“Os problemas dos mais jovens e a cultura são sempre deixados para último”. Esta é a resposta de Diana Neves, quando confrontada sobre a presença deste tema no espaço político. Regra geral, os jovens sentem que não lhes é dada a devida importância na política nacional e que não é feito um esforço suficiente por parte dos partidos em solucionar os problemas que os jovens enfrentam atualmente. Este é o caso de Diana, que observa isto, por exemplo, na quantidade de jovens que não ingressam na universidade porque têm de trabalhar para se sustentar ou no número elevado de jovens que, aos 30 anos, ainda vivem em casa dos pais. “Há muito potencial desperdiçado de jovens que podiam estudar e ter mais acesso a outras vias de trabalho e ter medidas para a habitação é importante porque há jovens que não vão estudar precisamente por causa da habitação”.

Estes jovens querem ver o Governo a investir mais em residências universitárias, que pecam por falta de condições materiais, vagas e manutenção. Susana Garcia propõe uma maior aposta em medidas ligadas ao arrendamento jovem.  Verifica-se um crescente ceticismo por parte dos jovens face aos políticos e a sua capacidade e vontade de trabalhar para melhorar a precariedade em que vivem e habitam os jovens. Susana conclui: “A precariedade habitacional dos jovens e o alojamento para estudantes deslocados não tem lugar no espaço político”.