“Tentamos arranjar todas as formas para apoiar os nossos atletas”

Ana Margarida Rodrigues, Carolina Fernandes e Inês Salvador (Universidade da Beira Interior)

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Pedro Farromba, Presidente da Federação de Desporto de Inverno, na Gala Anual da Federação de Desportos de Inverno de Portugal em 2018 (Fonte: Federação de Desportos de Inverno).

Os desafios associados à prática de desportos de inverno em Portugal, a radicação de atletas noutros países para preparação de competições e os Jogos Olímpicos de janeiro são alguns dos aspetos abordados na entrevista com Pedro Farromba, Presidente da Federação de Desportos de Inverno de Portugal (FDI Portugal). 

Qual a história da FDI? 

A história do esqui em Portugal já tem mais de 100 anos. Foi uma história que começou com alguns aventureiros que, ainda antes de haver ligação rodoviária com a Serra da Estrela, começaram a perceber a possibilidade de se utilizar as montanhas geladas da Serra. Na altura, tinham neve durante mais tempo do que hoje. No verão, saíam daqui [Covilhã] carroças com neve para fazer gelados para os reis em Lisboa. Entretanto, houve uma exploração científica na Serra da Estrela, que já tinha havido antes mas, no fundo, começou-se a descobrir este território, na altura bastante inóspito. As pessoas começaram a frequentar a serra com guias, que carregavam os esquis e começavam a descer.

“Este último ano foi muito difícil para nós. Há dois anos que não realizamos campeonatos nacionais por causa do COVID-19”

As coisas foram-se desenvolvendo. Há um clube que se chama Esqui Clube de Portugal, que ainda hoje existe. Foi esse clube que esteve na génese da Federação. A determinada altura, as pessoas envolvidas nesse clube decidiram criar a Federação que, no início, se chamava Federação Portuguesa de Esqui. Só mais tarde, há cerca de uns 20 e tal anos se passou a denominar Federação de Desportos de Inverno de Portugal. Na altura, quando começaram, era apenas o esqui, mas houve uma outra modalidade – o snowboard – que começou a ganhar alguma fama e um conjunto muito grande de praticantes. Houve, então, a necessidade de mudar o nome. 

Chegados aos dias de hoje, este último ano foi muito difícil para nós. Há dois anos que não realizamos campeonatos nacionais por causa do COVID-19. Interrompemos desde abril ou maio do ano passado todas as atividades que tinham a ver com as escolas, também por causa da pandemia. Foi um período muito difícil para nós, nesse ponto de vista. Mas aproveitámos para fazer outras coisas que normalmente não tínhamos tempo. De forma resumida, esta é a história da Federação desde que começou. 

 

Webinar promovido pela Federação de Desportos de Inverno de Portugal sobre a origem do esqui na Serra da Estrela. Fonte: Federação de Desportos de Inverno

Quantos e quais os desportos que engloba? 

Eu entrei para a Federação em 2009, já vou no meu terceiro e último mandato. Na altura entendemos que a Federação se devia abrir ao resto das modalidades de inverno. Começámos um processo para envolver na Federação não só as modalidades de neve, mas também as de gelo. Portanto, hoje somos uma Federação multidesportiva que tutela as modalidades do esqui – esqui alpino, esqui fundo e esqui freestyle -, snowboard, patinagem artística, patinagem de velocidade, hóquei no gelo, curling, luge, skeleton e bobsleigh. 

“Nós temos, neste momento, quatro atletas em simultâneo de alto rendimento. Algo que nunca tivemos no passado. Três atletas de esqui e um de snowboard.”

No fundo, temos todas as modalidades de neve e de gelo. Ao longo dos anos, a Federação passou por períodos muito difíceis, nomeadamente, períodos financeiros muito complicados. Temos vindo a conseguir afirmar a Federação nesse ponto de vista, quer do financeiro como desportivo, mas sobretudo, do ponto de vista da representatividade e da forma como olham para as nossas modalidades. Temos mantido uma presença contínua nas mais importantes competições internacionais – campeonatos do mundo das modalidades, nomeadamente das de neve, que são aquelas que têm um historial maior e onde temos até hoje mais atletas. Também temos participado em todas as edições dos Jogos Olímpicos desde que assumi funções na Federação. 

Qual é o papel da Federação na promoção e desenvolvimento dos desportos de inverno em Portugal? 

Uma das coisas que notámos quando chegámos é que havia poucos projetos que mobilizassem os mais jovens para a prática das modalidades. Então, criámos um conjunto de projetos que têm como objetivo procurar amplificar a prática desportiva dos mais novos. E darmos também a conhecer as nossas modalidades que necessitam de condições específicas para a sua prática. 

Passaram já por nós vários milhares de crianças, nomeadamente no projeto “Ski4All”. Este último, como o hóquei e o curling nas escolas, foram alguns dos projetos que não implementámos durante o último ano devido às condições pandémicas. Uma ideia que também não aconteceu é um projeto que passa por levar pequenas pistas de esqui e umas pranchas de snowboard também às escolas. Portanto, queremos acreditar que iremos conseguir voltar a poder colocar estes projetos em prática, a partir do próximo ano letivo. 

Também na divulgação das modalidades, nós procuramos trabalhar a imagem daquilo que é hoje a Federação e do que são os nossos atletas. Nós temos, neste momento, quatro atletas em simultâneo de alto rendimento. Algo que nunca tivemos no passado. Três atletas de esqui e um de snowboard. São atletas que, também temos, de alguma forma, “utilizado” para passar a imagem de que realmente são modalidades que podem ser praticadas por todos e que dão acesso a competições do ponto de vista internacional, e que podem levar a um desenvolvimento substancial das modalidades. 

Ação de divulgação dos desportos de inverno promovida no âmbito do projeto “PIZZA HUT – SKI 4 ALL”, da Federação de Desportos de Inverno. Fonte: Federação de Desportos de Inverno

Os atletas que mencionou são os que vão aos Jogos Olímpicos? 

Nós tínhamos, penso que, 14 atletas no programa de preparação olímpica. Desses atletas fomos afunilando e neste momento temos menos profissionais a prepararem-se para os Jogos Olímpicos que vão ocorrer em janeiro de 2022. Aqueles atletas que nós temos estão em excelentes condições para poder formar a maior equipa de sempre nos Jogos Olímpicos de Inverno. Até agora, o máximo de atletas que levámos foram dois e eu acho que esse número vai mais que duplicar nos próximos Jogos. 

Normalmente, na Serra da Estrela, o inverno é rigoroso, mas não tanto quando comparado com o que acontece em pontos altos de outros países. Como é que as modalidades da FDI se conseguem adaptar às condições atmosféricas para a prática destes desportos? 

A estância de esqui da Serra da Estrela é pequena, muito condicionada pelos seus acessos e com um tipo de neve diferente daquela que se encontra no centro da Europa. A Serra da Estrela tem excelentes condições para a iniciação e também para a prática em família. Para a prática de competição, a estância não tem as melhores condições por fatores endógenos, já que o próprio terreno e a dimensão das pistas não permitem os graus de dificuldade que são exigidos nas competições.

“No verão, saíam daqui [Covilhã] carroças com neve para fazer gelados para os reis em Lisboa.”

O que a Federação faz é cooperar com estâncias do estrangeiro, como a Serra Nevada, a Serra Béjar ou em Andorra, que são as que estão mais perto de nós. As nossas equipas estão sempre a viajar para estas estâncias para poderem treinar. Dois dos nossos atletas de alto rendimento residem em Portugal e outros dois não residem no nosso país. Os dois que vivem em Portugal têm estado, embora residentes em Portugal, a estudar a prática do esqui. Um deles numa escola dedicada ao esqui, no norte de Espanha, e o outro que, depois de terminar o mestrado, aproveitou este ano para estudar numa escola italiana especializada na prática do esqui.

Eu diria que vamo-nos safando à medida da dimensão daquilo que nós conseguimos. Com os desportos de gelo, temos treinado com rodas. Quando há competições, aí sim, fazemo-las no gelo, até haver a possibilidade de termos um pavilhão de gelo em Portugal, que é também um projeto no qual a Federação está a trabalhar. 

De que forma a FDI ajuda os atletas que têm de ir para fora do país? 

Nós temos várias formas de o fazer. Neste momento, há atletas que recebem bolsas olímpicas. Nós, no fundo, tentamos arranjar todas as formas para apoiar os nossos atletas. Temos também atletas que recebem bolsas de solidariedade olímpica que são diretamente entregues pelo Comité Olímpico Internacional e que são cumulativas com outras bolsas. Nós conseguimos fazer aprovar junto do Instituto Português do Desporto e Juventude e do Comité Olímpico, um programa de preparação olímpica onde estão envolvidos alguns dos nossos atletas.

Temos, também, o trabalho direto com os clubes. Ou seja, os clubes apresentam-nos planos de atividades e nós avaliamos e aprovamo-los financiando algumas atividades que eles fazem, nomeadamente de índole competitiva. 

Assinatura de acordo entre a FDI-Portugal, a SPORT TV e a Infront – Sports & Media AG, com vista à transmissão televisiva do Campeonato do Mundo 2021 de Hóquei no Gelo da International Ice Hockey Federation (IIHF) que se realizou em Riga, Letónia, entre os dias 21 de Maio e 6 de Junho. Fonte: Federação de Desportos de Inverno

Na sua opinião, como é que os portugueses veem e valorizam os desportos de inverno? 

Eu faço parte da Comissão Executiva do Comité Olímpico desde as últimas eleições, portanto há cinco anos, porque os jogos de Tóquio eram para terem sido realizados o ano passado e o mandato do Comité Olímpico rege-se pelo ciclo olímpico do verão. O facto de eu estar nessa comissão permitiu-nos também, de alguma forma, aumentar a visibilidade dos desportos de inverno em Portugal. Há ainda muitas pessoas que os desconhecem.

Nós não temos a mesma presença nos media que têm outras modalidades, mas quero dizer que também isso procuramos mudar. Chegámos a acordo com a Sport TV para transmitir, na íntegra, os 34 jogos do Campeonato do Mundo de Hóquei, em direto. Pela primeira vez vamos ter o Campeonato do Mundo de Hóquei na televisão portuguesa. Quero acreditar que também com este trabalho os portugueses vão passar a olhar para estas modalidades com outros olhos. Acho que hoje começamos a perceber um pouco que existem bons atletas portugueses nestas modalidades, sejam eles radicados em Portugal ou não. Por isso é também uma falácia, se olharmos para a seleção nacional de futebol, a maioria dos jogadores não jogam em Portugal, portanto a comparação com as nossas modalidades é praticamente a mesma.