A Equipa que (não) tem adeptos

O lado da arbitragem que ninguém vê

Joao Pedro Coelho, Inês Cunha, Felipe Ribeiro e Rui Santos (ESCS)

Esteja ele na mais pequena competição do mundo ou nos Jogos Olímpicos, o árbitro vai sempre desiludir alguém. Mas nem todos os desportos olham para a terceira equipa da mesma forma. Qual a diferença entre um árbitro de uma modalidade mais física como o râguebi, ou  de uma mais próxima do coração, como o futebol?

Em 2015, aos 28 minutos do jogo do mundial de râguebi entre a Escócia e a África do Sul, o árbitro Nigel Owens assinalou uma penalidade e advertiu Lood de Jager, jogador sul-africano com mais de dois metros de altura e 125 quilos de peso. Este respondeu com um simples “sorry, sir” (“desculpe, sir“), uma atitude comum no râguebi.

O râguebi é a modalidade onde um jogador com o físico de um “brutamontes” pede desculpa ao árbitro. Onde um jogador vê um amarelo por uma falta sobre o outro, mas aperta a mão do adversário antes de sair do campo. Onde há corredores de honra no final de cada jogo e o árbitro consegue ser protagonista, num ato de respeito tantas vezes ausente noutras modalidades.

No futebol, assistimos a uma postura diferente. O trabalho de um árbitro é descredibilizado e colocado em causa jogo após jogo, época após época. Há uma expressão popular que compara as atitudes presentes nos dois desportos: ” o râguebi é um desporto de brutos praticado por cavalheiros e o futebol um desporto de cavalheiros praticado por brutos”.

O respeito, o fairplay e o companheirismo deveriam ser pedras basilares de qualquer modalidade.  É preciso mudar mentalidades no que toca à profissão do árbitro.

“O árbitro vai errar”

Paulo Duarte. 32 anos. Começou por ser jogador de râguebi com 15 anos, no Belas RC (Lisboa), clube fundado em 1975 e que, atualmente, joga na 2.ª divisão nacional.

Aos 17 anos decidiu seguir a carreira de árbitro para melhorar enquanto jogador e porque viu que no râguebi existiam valores condizentes com o seu caráter.

Atingiu o patamar internacional em 2011, e já arbitrou mundiais sub-20, etapas do circuito europeu de Sevens e o grande feito da sua carreira até ao momento, o circuito mundial de Sevens.

O circuito mundial de Sevens é composto por vários torneios internacionais organizados pela World Rugby – organismo internacional responsável pelo râguebi. O primeiro circuito começou na temporada 1999/2000.

Uma época do circuito consiste em 10 torneios, que geralmente começam em novembro e duram até maio. Os jogos disputam-se em 10 países e cinco continentes. Emirados Árabes Unidos, África do Sul, Austrália, Nova Zelândia, Estados Unidos, Canadá, Hong Kong, Singapura, França e Inglaterra abrigam um único evento. Cada torneio tem 16 equipas. As equipas competem pelo título mundial, acumulando pontos com base na sua posição final em cada torneio.

Portugal fez inicialmente parte do projeto, mas acabou por descer de divisão na temporada 2015/2016. Paulo Duarte é o único português a frequentar o circuito.

Paulo Duarte considera que os aspetos mais relevantes para ser um bom árbitro são o querer e mostrar compromisso.

No que diz respeito à preparação do jogo, Paulo destaca duas componentes que considera essenciais de modo a ter um bom desempenho: a parte física e a parte mental. A forma como se lida com o “erro” influencia, positiva ou negativamente, a performance de um árbitro.

No râguebi, o Television Match Official (TMO) é a tecnologia utilizada para auxiliar o árbitro principal na tomada de decisões. Esta tecnologia, equivalente ao sistema de vídeo-árbitro utilizado no futebol (VAR), entrou no râguebi em 1999 e, segundo Paulo Duarte, começou de uma forma mais simplificada.

A sua utilização é diferente da do VAR, pois tem o princípio primordial da transparência. Os adeptos, que estão em casa ou no estádio, não só têm acesso em tempo real à visualização da jogada que é analisada, como à possibilidade de ouvir a discussão da decisão.

Exemplo de intervenção do TMO, no jogo "França vs. Inglaterra", arbitrado por Nigel Owens

A construção de uma imunidade à crítica

Pedro Henriques. 55 anos. Terminada a licenciatura na Academia Militar, Pedro decidiu continuar ligado à área do desporto: tirou o curso de treinador de futebol e futsal e o curso de árbitro.

Foi após terminar o primeiro jogo, enquanto árbitro assistente que descobriu uma nova paixão – a arbitragem. Esta paixão perdurou 20 anos e ao longo da sua carreira arbitrou 180 jogos, divididos entre Liga Portuguesa, Taça de Portugal, Taça da Liga, Segunda Liga e II Divisão B.

As componentes física e teórica são importantes para o bom desempenho de um árbitro. Pedro diz que um árbitro de futebol corre em média 12 quilómetros por jogo, registando os tipos de deslocamentos e os batimentos cardíacos. Os treinos diários ou bidiários são fundamentais.

Quanto melhor for a preparação física, melhor será a tomada de decisão, mesmo estando numa situação de esforço e cansaço extremo. “Um árbitro hoje em dia é um atleta”, argumenta.

A nível teórico, “saber o livro de trás para a frente e de frente para trás” é o primeiro passo para evitar cometer um erro técnico em campo. Para além de estudar a teoria, é importante assistir às formações dadas pelos núcleos, analisar os próprios jogos e os jogos dos outros árbitros. Assim, as análises e decisões tomadas em campo vão ser mais corretas.

A preparação do jogo envolve outros aspetos, tais como as deslocações para os jogos e o estudo das equipas. Passos que passam ao lado de grande parte dos amantes do desporto rei.

Áudio: Pedro Henriques descreve a preparação para um jogo

A nível psicológico, gerir um jogo dentro e fora de campo é um dos obstáculos mais difíceis que um árbitro tem de enfrentar. Tem existido uma grande evolução no que diz respeito à preparação desta componente, quer a nível de apoio profissional como a nível pessoal, na construção de uma imunidade perante a crítica.

Áudio: “Os árbitros trabalham com psicólogos que os ajudam a lidar com a adversidade e com o erro”

Ao contrário do râguebi, no futebol o VAR é uma ferramenta que se encontra numa fase de desenvolvimento precoce, sendo a sua utilização alvo de críticas constantes.

Áudio: “As pessoas achavam que o VAR vinha resolver os problemas todos”

Entre a paixão e a profissão, quatro testemunhos sobre o râguebi e o futebol

Francisco Bessa, capitão da equipa de râguebi do SL Benfica

Francisco Bessa, capitão do Sport Lisboa e Benfica e internacional português, na vertente de “Rugby de 7”, menciona que o respeito pelo árbitro lhe foi incutido desde muito novo. O jogador, que fez a formação na Associação Académica de Coimbra, destaca que “a cultura do râguebi é diferente de todas as outras modalidades” e lembra que todos os treinadores, dirigentes e simpatizantes do râguebi lhe ensinaram os valores da modalidade, ao longo do seu processo de formação.

Francisco salienta que “não é só o respeito pelo árbitro que nos é ensinado, mas também o respeito pelo adversário”. O atleta dos encarnados ressalva que os árbitros também se dão ao respeito: “ao contrário do que acontece no futebol, o árbitro de râguebi não permite que um jogador seja mal-educado”, afirmando depois que todos os jogadores e intervenientes do jogo estão a par das sanções, caso aconteçam episódios negativos.

Num jogo de râguebi, “o árbitro é o expoente máximo” e seria “impensável um jogador encostar a cabeça a um árbitro e falar alto, tal como acontece no futebol”, reiterou o internacional português. Ainda assim, o capitão do SL Benfica revela que em Portugal há alguns episódios infelizes, devido à qualidade dos árbitros e também dos jogadores: “às vezes, a comunicação dos árbitros não é clara e os jogadores precipitam-se, por vezes, na maneira como contestam as suas decisões”.

O três-quartos centro do SL Benfica compara o râguebi com o futebol e menciona que “há mais transparência no râguebi”, dando o exemplo de que a modalidade já tem a tecnologia do vídeo-árbitro há mais anos, e que esta é “mais eficaz no râguebi”.

Por fim, diz que poderiam ser introduzidos no futebol mecanismos que ajudassem a promover a verdade desportiva da modalidade: “no râguebi, o árbitro tem um microfone que se ouve no estádio e na transmissão televisiva”. Já no futebol, Francisco afirma que “não sabemos as comunicações que acontecem. Não ouvimos a atuação do vídeo-árbitro e não sabemos a sua opinião em determinado lance”.

Tomás Ildefonso, capitão da equipa de futebol sub-17 do SG Sacavenense

Tomás Ildefonso defende que o papel do árbitro não é apenas apitar faltas e mostrar cartões. Tem mais funções, como, por exemplo, ter uma boa relação com os jogadores e falar à vontade com os respetivos capitães, criando assim uma boa relação entre jogador e árbitro.

Na perspetiva do jovem jogador, o árbitro é o regulador dos acontecimentos do jogo. Uma arbitragem equilibrada facilita o desenrolar do jogo, sendo que o contrário pode provocar desequilíbrios emocionais nos diversos intervenientes da partida (jogadores, treinadores, dirigentes, adeptos).

Contudo, na opinião do jovem lateral, “um árbitro deve ser mais respeitado, pois a função do árbitro é avaliada por órgãos competentes e eu, como jogador, faço o meu trabalho e deixo essas entidades para avaliar o árbitro, pois é o trabalho delas”.

Rui Santos, adepto de râguebi e futebol

Rui Santos é adepto do Sport Lisboa e Benfica e apoia todas as modalidades do clube. Ainda assim, as suas maiores paixões são o futebol, o râguebi e o atletismo. Rui é adepto do Benfica porque o seu pai lhe “incutiu desde muito cedo a mística do clube”. A adoração pelos encarnados é enorme, pois representou o clube como lançador de peso e disco, duas disciplinas do atletismo.

Atualmente, tem redpass no Estádio da Luz e incutiu no filho Rui a sua paixão. Apesar de ter crescido a ver jogos de futebol do Benfica e de ter representado o clube no atletismo, a sua grande paixão é o râguebi: “o meu filho começou a jogar râguebi no Benfica, com cinco anos, por influência de um amigo meu. Os anos passaram e ele chegou à equipa principal, sendo que na época anterior foi capitão de equipa. Os valores da modalidade são excecionais e apaixonei-me pela espetacularidade do jogo. Posso dizer que, hoje em dia, gosto mais de râguebi do que qualquer modalidade”.

O que mais admira na modalidade é “o respeito pelo árbitro”. “No râguebi, não é possível que as pessoas ofendam o árbitro, como acontece no futebol.” O pai do atual número dez do Benfica afirma que “há respeito nas bancadas e que os adeptos adversários convivem antes, durante e depois dos jogos”.

Comparando a arbitragem nas duas modalidades, garante que “o futebol está muito longe do râguebi” e que seria muito difícil algum dia “haver a mesma transparência que há no râguebi”. “A tecnologia do vídeo-árbitro apareceu tarde no futebol, enquanto no râguebi já está consolidada há muitos anos”.

José Vidal, árbitro de futebol

José Vidal, árbitro de futebol da Associação de Futebol de Castelo Branco, relembra dois momentos díspares que marcaram a sua (ainda jovem) carreira no mundo da arbitragem.

O primeiro momento – de fairplay – que recorda foi quando, após assinalar um penálti, o jogador que supostamente sofreu essa falta veio negar a existência da mesma, dizendo que tinha sido ele que tinha tropeçado.

O outro momento – este de tensão – que presenciou foi uma vez ter respondido a um treinador, pois o técnico disse que era por culpa do árbitro que a equipa dele estava a perder por 7-0. José recorda que  confrontou o mister, perguntando-lhe qual seria o resultado do jogo “mesmo se a decisão que ele protestou não tivesse sido apitada. A partir daí perdi o controlo do treinador, foi algo que não deveria ter dito. Perdi o pulso ao jogo”.

ÁR – BI – TRO

(latim arbiter, -tri, testemunha, juiz, dono)

Nome masculino

1. [Direito] O que resolve litígios por consenso das partes.

2. [Figurado] Autoridade suprema. = SOBERANO

3. [Desporto] Pessoa que, num jogo ou competição desportiva, zela pelo cumprimento das regras

in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa