Carrinhas e motas, pequenas localidades e cidades desenvolvidas, empatia e distância, hábito e compromisso são alguns dos contrastes existentes entre a classe dos vendedores ambulantes e a classe dos estafetas de entregas ao domicílio. Estes dois serviços, embora díspares, têm a mesma missão: levar a casa dos seus clientes o que eles precisam e procuram.
Bruno Mendes cresceu no seio de uma família de vendedores ambulantes. O negócio, esse, tem mais de 60 anos e passou de geração em geração. Bruno não é vendedor a tempo inteiro, mas gosta de dar a volta pela terra que o viu nascer, Belmonte. O ofício foi herdado no momento em que o seu pai, António Mendes, teve um problema de saúde que o afastou da agitada vida de vendedor ambulante. A partir desse momento, a entrega de produtos frescos na casa dos belmontenses ficou a cargo de Bruno.
Mas a venda ambulante já não é o que era. A procura diminuiu e a oferta de outros serviços disparou. No tempo do pai de Bruno, a volta era diária e não havia folgas. Atualmente Bruno sai apenas uma vez por semana, ao sábado. O percurso começa às 11h e termina no fim do dia, com um sentimento de missão cumprida, porque ser vendedor ambulante é entregar alimentos, mas é também dar uma palavrinha a todos aqueles com quem se cruza.
Bruno Mendes é um dos muitos vendedores ambulantes que circula por terras lusas. A venda ambulante pinta algumas das regiões de Portugal, sobretudo no interior do país, mas parece ter sido substituída, em algumas delas, pelas entregas ao domicílio levadas a
cabo por grandes empresas. O que é que a venda ambulante e as entregas têm em comum e o que é que as distingue?
As entregas em casa já eram comuns em grande parte dos países da Europa e nas grandes cidades portuguesas, mas, com a pandemia, a entrega de produtos, compras ou refeições em casa, massificou-se também em Portugal. Empresas como a Glovo e a Uber Eats fazem parte deste universo e registaram um aumento exponencial de vendas nos períodos de confinamento. O processo é simples: através de um site ou aplicação, cada pessoa pode, no conforto do seu lar, escolher e encomendar compras, refeições, objetos, tecnologia, produtos de papelaria, entre tantos outros bens. Depois é só acompanhar o percurso do estafeta responsável pelo pedido: nestes serviços é possível saber o nome do colaborador que faz a entrega, o percurso efetuado e o estado do pedido. Quanto ao pagamento, esse pode ser feito tanto por plataformas eletrónicas como no momento da entrega. Feita a entrega, o funcionário parte para mais um pedido e o ciclo começa de novo.
The Xico’s: a jovem empresa de entregas ao domicílio na Beira Interior
A The Xico’s é uma empresa de entregas ao domicílio criada por um grupo de jovens empreendedores em 2018, na cidade da Covilhã. André Mendes, Francisco Baltar, João Rodolfo e Daniel Martins juntaram-se ao negócio que se tem vindo a expandir, cobrindo já os concelhos da Covilhã, Castelo Branco e Fundão.
Áudio: O início do The Xico’s
A jovem empresa é composta por uma equipa de 58 trabalhadores, entre estafetas e administração, tendo na sua maioria idades compreendidas entre os 18 e os 30 anos. Embora este seja um serviço considerado, à partida, mais direcionado para as faixas etárias mais jovens, a verdade é que, na The Xico’s, também os mais velhos se tornaram clientes. A possibilidade de comprar online ou através de uma chamada telefónica, bem como o trabalho, a proximidade e a confiança são a chave para o sucesso da empresa.
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Áudio: O sucesso do The Xico’s
A pandemia afetou muito o negócio, mas ao contrário de tantos outros, fê-lo de uma forma positiva. Francisco Baltar confessa que “há males que vêm por bem” e realça que o facto de as pessoas estarem confinadas fez disparar as vendas. No último ano, o crescimento da empresa foi exponencial. O que começou por ser um pequeno negócio na cidade neve rapidamente se expandiu para os concelhos vizinhos.
Áudio: A forma como a pandemia influenciou o negócio
As metas e os obstáculos impostos pelo negócio foram alguns dos temas abordados na conversa que tivemos com os fundadores da The Xico’s. Os jovens empreendedores não têm dúvidas de que querem investir noutros locais, embora saibam que não será fácil. As longas horas de trabalho, o pouco tempo com a família, a necessidade de se reinventarem e o desejo de continuarem a crescer são alguns dos desafios que enfrentam, confessa André Mendes.
Áudio: Dificuldades enfrentadas pelos jovens empreendedores
The Xico’s não foi o primeiro nome pensado para o projeto, mas os fundadores garantem que foi melhor assim. O nome da empresa é uma homenagem a uma pessoa especial para os quatro amigos.
Áudio: The Xico’s, um nome com significado
Vendedores ambulantes vs entregas ao domicílio
As entregas ao domicílio são, por muitos, consideradas como recentes. Porém, a verdade é que a prestação deste serviço já era concretizada por outra classe: os vendedores ambulantes. Estes são responsáveis por visitar as suas freguesias e clientes há décadas, levando-lhes todos os bens necessários. A volta é sempre a mesma, os fregueses são fiéis e os vendedores conhecem de cor as preferências e gostos de quem ali se apresenta.
De certa forma, parece que as entregas são o novo rosto da venda ambulante, apresentam-se apenas mais tecnológicas, massificadas e distantes. São vários os traços que aproximam estas duas realidades.
Tal como acontece no negócio de venda ambulante, onde os vendedores têm para oferecer de tudo um pouco (produtos frescos, pão, bolos, mercearia, etc.), também as entregas em casa possuem esta valência. Ambos os serviços têm em comum o objetivo de levar a casa dos clientes aquilo de que eles mais necessitam em determinado momento.
No entanto, existem também diferenças, se os vendedores ambulantes têm dia marcado para fazer determinadas entregas, já os estafetas deslocam-se quando e onde são chamados. Por seu turno, se a ida dos vendedores ambulantes às pequenas localidades se faz pelo hábito (todas as semanas, no mesmo dia, por volta da mesma hora), neste novo regime não há esse compromisso, sendo a relação com o cliente também ela distinta.
Os vendedores ambulantes são quase membros da família, a relação é de enorme proximidade e cumplicidade, os afetos reinam, as lembranças multiplicam-se e os vendedores conhecem bem os problemas, preocupações e aflições dos seus fiéis clientes.
Já nas entregas ao domicílio, e sobretudo nas grandes cidades, impera a distância: os estafetas não conhecem o nome nem sabem as preferências dos clientes. Embora seja muito o que os distingue, é certo que o objetivo, esse, é o mesmo: entregar os produtos aos clientes.
Bruno Mendes e a The Xico’s são os protagonistas de uma história, o rosto de muitas vidas, mas apenas uma parte da realidade. Em comum têm o objetivo de facilitar a vida do outro, proporcionar-lhe conforto e concretizar os seus desejos.