Como é o ensino para a comunidade surda portuguesa? A falha pode começar no diagnóstico: não sabemos quantas pessoas surdas existem em Portugal. Dados de 2016 apontam para uma população de 115 mil pessoas com défice auditivo. Professores e intérpretes ajudam-nos a traçar o cenário atual e apontam caminhos para o futuro.

Para eles, o mundo é sem sons. É isto o que se ouve no interior da sala 7 da Escola Secundária Mouzinho da Silveira:

Paula Penetra é intérprete de língua gestual portuguesa e trabalha com alunos surdos há 12 anos. Segundo a Direção-Geral da Educação, em 2018, existiam no país 17 escolas de referência para a educação bilingue. No Alentejo, há cinco agrupamentos capacitados para ensinar alunos surdos. Paula é intérprete num deles, o Agrupamento de Escolas Manuel Ferreira Patrício, em Évora.

Apesar da experiência, nem sempre é fácil trabalhar com estes alunos. “Nós não conseguimos entender, porque não somos surdos”, diz Paula Penetra, intérprete de língua gestual portuguesa. “Se eu sorrir, eles não sabem muito bem se estou a sorrir por simpatia, ou se alguém disse alguma coisa e eu estou a rir de alguma coisa que eles fizeram. Tornam-se, naturalmente, desconfiados”.

E como é viver num mundo silencioso? Quem sofre de deficiência auditiva consegue apreender o mundo não só através dos gestos, mas também através de vibrações. Joana Conde e Sousa, coordenadora da Licenciatura em Língua Gestual Portuguesa na Escola Superior de Educação de Coimbra, explica que “o som de um avião talvez seja audível, por exemplo, mas um som de um pássaro, um surdo profundo nunca irá ouvir, nem se calhar um surdo com surdez moderada”.

Apesar das dificuldades que possam surgir, os alunos surdos aprendem numa sala de aula com alunos ouvintes.

O Agrupamento de Escolas do Bonfim, em Portalegre, é um dos agrupamentos com ensino para surdos. No total, são 14 alunos, divididos desde o pré-escolar ao 12.º ano. A forma como as aulas são dadas em nada difere das outras onde não há alunos com estas limitações. Caso o docente não saiba língua gestual, poderá recorrer a um intérprete que lhe permita comunicar com os alunos que não ouvem.

Carla Louro é professora na Escola Secundária Mouzinho da Silveira, uma das escolas que educa alunos surdos. “Nem sempre é possível comunicar diretamente. Por exemplo, se eu não souber como se diz uma palavra, recorro à intérprete”, conta Carla.

Na maioria das disciplinas, os alunos surdos estão incluídos numa turma com alunos ouvintes. Nas restantes, “estão juntos com os pares”, com o objetivo de aprenderem termos mais específicos de forma mais fácil.

“Os testes são feitos tendo em conta algumas especificidades da deficiência auditiva. Por exemplo, as frases são feitas de forma a que o aluno consiga ler sem precisar de intérprete naquele momento”, explica Carla Louro.

Ensinar crianças surdas exige um esforço de todas as partes. Ainda assim, tem sido frequente, nos últimos anos, alunos surdos escolherem prosseguir estudos e ingressar no ensino superior. No momento da candidatura, a escolha tende a cair nos cursos relacionados com a língua gestual, que, por sua vez, têm atraído cada vez mais jovens ouvintes.

“Neste momento, a nossa turma de primeiro ano tem 34 alunos. Cinco são surdos, e os restantes são ouvintes”, explica Joana Conde e Sousa. Esta licenciatura admite a possibilidade de os momentos de avaliação serem feitos em Português ou em língua gestual.

“Habitualmente, no caso da disciplina de Língua Gestual, quem fica mais aflito são os alunos ouvintes”, refere a docente. “Neste caso, os alunos surdos estão completamente à vontade, os alunos ouvintes é que têm mais receios”, acrescenta.

“Deveria haver uma maior sensibilização para incluir estas pessoas”

Atualmente, não existem números que nos permitam saber, com certezas, quantas pessoas surdas existem em Portugal. Ainda assim, em 2016, existiam registos de 115 mil pessoas com défice auditivo.

Em 2013, a Antena 1 levou a cabo uma experiência junto da população surda: durante uma manhã, quem tem deficiência auditiva pôde escutar rádio. Através do computador, puderam acompanhar em vídeo a tradução simultânea da emissão para língua gestual portuguesa.

Também em 2005, a TSF tinha feito uma emissão direcionada a pessoas com deficiência auditiva. Foi a primeira vez que surdos puderam ouvir um relato de futebol.

Inspiradas por estas iniciativas, Maria Sousa, Catarina Silva e Carina Martinho Coelho decidiram fazer, enquanto projeto final de curso, a Rádio Mãos à Conversa. O objetivo era simples: dar à população surda a oportunidade de ouvir rádio.

“Havia uma insatisfação permanente em relação àquilo que o jornalismo nos dava”, começa por contar Maria Sousa. Catarina Silva recorda o projeto com saudade e confessa que “também queríamos fazer algo inclusivo e relacionado com rádio”. Carina completa e nota que “nós sempre quisemos fazer coisas diferentes, chegar a públicos que não eram e continuam a não ser alcançados”.

Maria Sousa refere que, na altura da apresentação do projeto, as ex-alunas chegaram a duvidar que ele pudesse ser bem recebido. “Estávamos as quatro bastante nervosas”, mas no final “foi muito gratificante ver tudo feito”.

Mas como pode o jornalismo ser mais inclusivo, nomeadamente para com as pessoas surdas? “Eu acho que deveria haver uma maior sensibilização para incluir estas pessoas”, considera Catarina Silva.

“O acesso não é total”, refere. “É muito importante que a televisão, a imprensa ou a rádio tenha esse cuidado. O jornalismo tem essa responsabilidade”.

A inclusão e o futuro

Quem trabalha diretamente com a população surda considera que aquilo que já foi feito não é suficiente para a sua inclusão. “Acho que fazia sentido se houvesse, nas opções que a escola oferece aos alunos ouvintes, incluir a disciplina de Língua Gestual Portuguesa”, considera Carla Louro.

Além do ensino, a sociedade também pode ser mais inclusiva com estas pessoas. ” Os surdos têm a tendência para se juntar aos seus pares, e são, normalmente, muito desconfiados”, argumenta a intérprete Paula Penetra. “Se houvesse a possibilidade de alunos ouvintes poderem comunicar com surdos, seria mais inclusivo, mesmo dentro da própria comunidade escolar”, acrescenta Carla Louro.

Também Joana Conde e Sousa considera que seria “proveitoso ter língua gestual como uma opção”, tal como o Espanhol, o Inglês ou o Francês. Segundo a docente, “grande parte dos surdos concorre para cursos de língua gestual. Isto podia mudar se houvesse mais gente que soubesse comunicar com eles”.

“Um surdo também devia poder chegar a um hospital e ser atendido por um médico em língua gestual, por exemplo. Isto não acontece em Portugal e devia ser mudado”, considera Paula Penetra.

Joana Conde e Sousa refere ainda que “seria excelente um pai surdo chegar à escola e ser recebido pelo diretor na sua língua. Seria fantástico uma criança surda chegar à escola do seu irmão e ser recebido na sua língua. Isto não existe em Portugal”. No hospital, na sala de aula, no recreio, os surdos acabam por ter de ficar em silêncio.