É difícil fotografar o silêncio

Catarina Neves, jornalista da SIC e professora adjunta convidada da Escola Superior de Tecnologia de Abrantes. Editora do programa "Silêncio"

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Os poemas enchem silêncios e será também por isso que, tantas vezes, lhes jogamos a mão para nos salvarmos do vazio. Hoje pedimos emprestada a força da palavra do poeta brasileiro Manoel de Barros: “difícil fotografar o silêncio. Entretanto tentei”. Ele tentou. Nós tentámos entrar no silêncio através do som do pensamento… sobre o silêncio.

No episódio do REC que lhe entregamos agora ao ouvido e o convidamos a espreitar, revelou-se a palavra descodificada pelo jornalista, cantada pela fadista, sofrida pelo trabalhador e escolhida pelo vendedor apaixonado por melodias. Depois tentámos entrar na poética que pode haver no dia a dia de um aluno surdo que aprende a viver no mundo dos ouvintes, nalgumas escolas alentejanas de ensino secundário. A seguir rasgámos silêncios descritos como gritos de alerta contra a violência doméstica. E escutámos o elogio ao silêncio como forma de tentar tranquilizar a mente em dois dos vários conventos onde estão as Irmãs Clarissas do Desagravo, em Portugal.

O prazer que se encontra no som precisa do silêncio para ganhar forma. Assim como “o vocabulário do amor é restrito e repetitivo porque a sua melhor expressão é o silêncio”. Embora seja “deste silêncio que nasce todo o vocabulário do mundo”, na conclusão do professor e escritor Vergílio Ferreira.

Quando as reportagens que integram este REC foram planeadas e realizadas, o mundo ainda não estava obrigado a recolher-se em casa, numa tentativa de se proteger de um novo vírus. Em poucos meses, as rotinas ficaram suspensas, os gestos ganharam novos ritmos e os silêncios fizeram-se ouvir de outra forma.

No episódio de julho, onde continuaremos a debruçar-nos sobre o silêncio, o programa será ainda fruto de olhares pré pandemia. Iremos da aldeia esquecida de Casa Branca, no Alentejo, à agitação de uma das principais entradas e saídas de Lisboa, o Marquês de Pombal.

Ouviremos o testemunho marcante de uma sobrevivente de violência doméstica e entraremos naquele que foi, até fechar as portas, no ano passado, o único mosteiro contemplativo masculino de Portugal, o Convento da Cartuxa, em Évora.

Podemos não conseguir fotografar o silêncio, mas sem ele não aprendemos a reconhecer o som. E não há mundo sem sons. Guardemos, pois, os silêncios mais sábios que as palavras dos tolos.

Neste programa participaram João Couraceiro, Mara Tribuna e Isabella Rabassi, da Universidade do Porto; Rui Miguel Godinho, do Instituto Politécnico de Portalegre, Beatriz Pina e Carolina Barata, da Universidade da Beira Interior; Joana Felício, Vitória Thomazini e Inês Garcia, do Instituto Politécnico de Tomar; Estela Santos, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova de Lisboa.

A locução é de Miguel Laia, da Universidade Nova de Lisboa. A pós-produção áudio é de Miguel van der Kellen e a edição e coordenação são de Catarina Neves, jornalista da SIC e professora adjunta convidada da Escola Superior de Tecnologia de Abrantes.