Entrevista. Pais devem ter cuidado e não procurar o “futuro Cristiano Ronaldo”

Alexandre Silva (Universidade Lusófona)

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Quando os pais assumem o papel de treinadores de bancada, põem demasiada pressão sobre os filhos. Algo que se tornou “habitual”, alerta o psicólogo Jorge Silvério.

Jorge Silvério sublinha que pais devem apostar num “plano B” para os filhos até o mais tarde possível

Jorge Silvério fez parte da equipa técnica da Seleção de Futsal masculina que regressou com o título de campeão europeu da Eslovénia em 2018. Doutorado em Psicologia do Desporto, faz um balanço das expetativas de jovens atletas e de pais no universo do futebol. O mais grave é quando os progenitores “acham que têm ali um futuro Cristiano Ronaldo”, diz, até porque é essencial apostar num plano B, para minimizar frustrações. Na opinião do especialista, quando a criança quer mesmo ser futebolista, o sonho deve ser alimentado, mas de pés bem assentes na terra.

Que papel devem desempenhar os pais no acompanhamento da prática futebolística dos filhos?

Sempre de apoio, aconteça o que acontecer. Haja vitórias, haja derrotas. Os filhos devem perceber que os pais estão lá para os apoiar e é de evitar serem treinadores de bancada. Muitas vezes a tentação dos pais é essa, substituir-se aos treinadores, dizer “faz isto ou faz aquilo” ou “estiveste mal porque não fizeste isto e devias fazer aquilo”.

Alguns jovens procuram a minha ajuda por causa disso, é que nem sequer se sentem bem quando os pais estão a ver o jogo, por causa da pressão e da ansiedade. Se o comportamento dos pais for menos desportivo e com menos fair-play, os miúdos, em vez de estarem a jogar, estão preocupados.

“Alguns jovens nem sequer se sentem bem quando os pais estão a ver o jogo”

Com que espírito deve um jovem começar a jogar futebol?

Depende da idade, mas nos mais novos, a perspetiva deve ser de aprendizagem e divertimento, sem pensar logo em competição. Aliás, até tem havido alguns exemplos muito bons, de alguns clubes, e até de algumas federações, que não apostam logo na competição e aquilo que se valoriza é que os jovens se divirtam e vão aprendendo os movimentos básicos da modalidade. Depois sim, numa idade mais avançada, começarem a introduzir, com algum cuidado, a competição.

E quando o sonho é ser jogador de futebol, como se faz?

Tem de se encontrar um equilíbrio, ou seja, a criança deve ter objetivos, mas devem temperar-se esses objetivos. São muito poucos os que conseguem chegar a profissionais do futebol e é preciso ir confrontando os filhos com isto. Convém que se vá desenvolvendo um plano B, porque não é só a dificuldade de passar da formação para o futebol profissional. Pode haver, por exemplo, uma lesão impeditiva de prosseguir a carreira, há um conjunto de circunstâncias que nem os pais nem os jovens atletas controlam e, portanto, esse plano B deve incluir os estudos. Só quando já for muito difícil de
conciliar, quando os jogadores já começam a ir a seleções, a ter muito tempo de estágio, aí sim, reavaliar outra vez, e ver se faz sentido apostar só no desporto, mas manter sempre o plano B até onde for possível.

Muitas vezes a expectativa de ser jogador nem é tanto do jovem atleta, é mais dos pais, que acham que têm ali um futuro “Cristiano Ronaldo”. Portanto, os pais têm de ter algum cuidado, porque a pressão que colocam sobre os miúdos pode ser demasiada.

É habitual ver esse tipo de pressões por parte dos pais? 

Já é, porque antigamente nem sequer havia as academias e as escolinhas. Antes os jovens iam aos clubes e faziam treinos de captação. Ficavam ou não ficavam. Hoje em dia, as coisas são muito mais estruturadas, digamos assim. Tem vantagens e desvantagens, ou seja, começa-se logo, muitas vezes, aos quatro, cinco, seis anos a colocar as crianças nas escolinhas. É preciso ter cuidado com isso e com o facto de aos cinco, seis anos, assim como aos doze, treze, ainda não se saber se o jovem vai ser futebolista ou não.

Mas também acontece estarem do lado dos jovens jogadores as expetativas exageradas…
Não é nada fácil. Porque, por um lado, incentiva-se o sonho e o objetivo e, por outro lado, sabemos que só muito poucos vão conseguir atingi-lo. Muitas vezes os jovens têm desilusões quando são dispensados, sobretudo dos clubes com mais historial e com mais nome em termos de formação. É difícil gerir essa frustração e essa desilusão, do sonho ficar pelo caminho. Mas aí, lá está, é muito importante o papel dos pais no sentido de não porem demasiada pressão e irem sempre deixando essa hipótese em aberto. Se os pais tiverem o comportamento adequado e forem dizendo aos filhos, “há aqui uma pequena possibilidade de tu seres jogador, mas há uma percentagem muito maior de
não seres”, permitem que as crianças tenham um caminho em que possam explorar outras
possibilidades. Depois a desilusão acaba por não ser tão grande, porque já estão preparados.