No Fundão também se encontra o sonho europeu

Pedro Lopes (UBI)

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Três jovens partiram da Nigéria e da Eritreia com a Europa nos sonhos. O destino levou-os para o interior de Portugal, para o Fundão, no distrito de Castelo Branco. Agarraram-no e agora só sonham com o reagrupamento familiar.

“Naqueles dias… nós passámos por muito stress, por muito perigo…” Foi a primeira frase de Joshua William, 25 anos, vindo da Nigéria. Teve de fugir da sua primeira casa, palco de conflitos militares, e veio para Portugal rumo a um novo futuro. Com facilidade no inglês, sua segunda língua, a habituação a uma nova realidade parece ter sido mais fácil.

Em menos de cinco meses, arranjou trabalho no Fundão, na construção civil, e sente-se realizado. Sobretudo, sente-se num local onde o respeitam, independentemente da sua origem. Trabalha hoje para amanhã poder salvar o resto da sua família, que continua presa na Nigéria.

É um dos 15 refugiados a viverem na nova casa que é o seminário do Fundão, espaço de abrigo onde é possível cumprir novos objetivos. Vindos de países e regiões diferentes, é aqui que estão a construir o novo caminho. E não o querem largar.

Chegaram à região em setembro de 2018. O “Aquarius”, navio humanitário que nesse mês atracou na ilha de Malta, no Mediterrâneo, depois de mais uma longa missão de salvamento, havia-os resgatado à dura realidade e prometia-lhes nova esperança para o futuro. Mas, o caminho até ao interior de Portugal esteve longe de ser fácil.

Ainda em julho, o barco apareceu-lhes como ‘a salvação’ do Mediterrâneo, no meio de mais de 200 outros migrantes. Mas demorou até poderem começar a sonhar com aquilo que desejavam. Em agosto ficou acordado que Portugal podia acolher 30 refugiados. Em setembro, 19 rumaram, por fim, até ao Fundão.

É no adaptado seminário do Fundão que agora se encontram. Outrora praticamente inativo, o espaço é hoje uma habitação com mais luz e cor, com uma vida que há muito se desconhecia por ali. Uma equipa da Câmara Municipal do Fundão que já antes tinha trabalhado na integração de migrantes foi a responsável por este desafio.

No salão principal do seminário, onde os 15 refugiados fizeram uma sala de estar mais acolhedora, três dos refugiados contam as suas histórias ao REC. A timidez no rosto marca o início da conversa. Mas, à medida que as palavras fluem, o desconforto é substituído por olhares de confiança.

Tal como Joshua, também Abiel Hagdu, originário da Eritreia, arriscou a vida na travessia do Mediterrâneo. Tem 23 anos e é um dos mais novos do grupo. Apesar de jovem, já tinha alguma experiência de trabalho na Eritreia, enquanto mecânico. Um passado que fez com que não perdesse tempo.

Abiel também já está a trabalhar numa empresa da região, a Twintex, fábrica de confeções da Covilhã, ligada ao setor endógeno local: os lanifícios. “Estou lá há já dois meses. Tenho trabalhos diversificados, já estive na parte de passar as roupas a ferro, mas agora estou mais na parte de colocar botões nas roupas”.

Abiel Hagdu, 23 anos, é um dos mais novos do grupo. Fotografia de Célia Domingues, do Jornal do Fundão

É com entusiasmo que Abiel revela a sua satisfação por poder trabalhar e por estar num local seguro. Apesar de não falar outra língua para além da sua, não tem tido problemas no novo emprego. É dos mais tímidos do grupo, mas quando se fala dos objetivos para o futuro, mostra a garra com que enfrenta todos os desafios.

Igualmente oriundo da Eritreia, Gebru Mehari, 28 anos, foi o que mais resistência mostrou em vir para Portugal. A revolta de se ver obrigado a deixar para trás toda a família marcou a sua chegada ao Fundão. Contudo, hoje em dia, aparece neste grupo quase como se de um líder se tratasse. Não só por ser o mais velho, mas por respirar segurança, que foi partilhando com todos os companheiros, e que permitiu a rápida construção daquilo que encontramos no seminário: uma família.

Atualmente, está empregado na agricultura. “O meu trabalho é à base da poda de várias árvores de fruto, dentro e fora das herdades da empresa onde estou”. Gebru Mehari mostra-se muito satisfeito com tudo o que o país lhe tem proporcionado. À semelhança dos anteriores, também sonha com um reencontro com a sua família de sangue o mais depressa possível.

Gebru Mehari, 28 anos, não queria fugir. Agora, sonha com o reencontro familiar. Fotografia de Célia Domingues, do Jornal do Fundão