Crónica de uma memória

Texto de Margarida Alpuim e fotografia de Joana Ochôa (ESCS)

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À porta de um edifício abandonado, Joaquim Furtado faz de memória uma visita guiada pelas antigas instalações do Centro Universitário de Lisboa, onde funcionou a Rádio Universidade. E entre as paredes gastas e os vidros partidos, renasce uma redação, uma “sala de namoro”, uma discoteca.

Quarenta e oito, 46, 44… De par em par, caminhamos com Joaquim Furtado em
direção ao número 14 da Rua Dona Estefânia. Partindo do largo que recebeu o nome
da mulher de D. Pedro V, não chegamos a demorar cinco minutos no percurso.
Com as costas voltadas para os carros, admiramos a fachada – cápsula de um edifício
abandonado. Os grafitis, o tijolo e os vidros partidos desprezam aqueles que passam
na rua.

Ali funcionou, até 1974, o Centro Universitário de Lisboa, da Mocidade Portuguesa. Lá
dentro vivia a Rádio Universidade, escola para uma geração de comunicadores que
marcaram a rádio e a televisão em Portugal. Desses tempos, no edifício, ficou pouco
mais do que a memória.

Na companhia do ex-jornalista, também ele “herdeiro” da Rádio Universidade,
olhamos o edifício e fantasiamos uma visita guiada – a partir de fora imaginamos o que
lá ia dentro.

Pela porta verde rendilhada, atualmente fechada com um ferrugento cadeado,
entravam os estudantes. Tinham de ir duas vezes por semana, apareciam todos os
dias. Era o entusiasmo pelo projeto que forçava a isenção de horário.
Para além de Joaquim Furtado, por lá andaram o Adelino Gomes, o José Nuno Martins,
o João David Nunes, entre tantos outros.

O rés-do- chão pouco mais era do que um ponto de passagem para os candidatos a
radialistas. Além dos serviços administrativos – “ou seria uma sala de espera?, a
memória já não permite precisar” –, havia um bar e a entrada para o departamento de
cinema.

Mas a descrição do espaço sobe rapidamente as escadas de madeira. Agarrada ao
corrimão de ferro, chega ao primeiro andar, onde eram produzidos os programas
transmitidos na Emissora Nacional. O corredor ao centro ajuda a organizar as histórias.
À direita estavam os estúdios:  um maior, onde eram feitas as provas de admissão, e,
logo a seguir, um outro mais pequeno. À esquerda, uma sala de redação e de convívio
– “aí tive o meu primeiro contacto com a censura”; ao fundo, “a sala do namoro” (é
assim que José Nuno Martins lhe chama), onde também se faziam reuniões de
coordenação.

Multiplicam-se as memórias e dobramos a esquina para a Travessa da Escola Araújo.
Joaquim Furtado aponta para a janela do primeiro andar e, sem se deixar distrair pela
pintura desgastada, lembra que ali era a sala onde guardavam os discos – “chamava-se
discoteca”. Foi na Rádio Universidade que se ouviram pela primeira vez alguns dos
êxitos do rock dos anos 60 e 70.

Com os Rolling Stones agora a tocar na nossa cabeça, voltamos para trás e
aproximamo-nos do muro que delimita o pátio e as restantes instalações. Do exterior,
não conseguimos distinguir os espaços onde funcionavam os cursos de teatro, vela ou
espeleologia. Diz quem lá andou que, para os de fora, eles eram os “malandros do
regime”, para os de dentro os “malandros do contra” (a memória é de João David
Nunes).

Começa a chover, e o desconforto do abandono deste edifício convida-nos a procurar
abrigo no presente.