Assegurou, durante 108 anos, a vigilância e o controlo das fronteiras portuguesas. A história da Guarda Fiscal cruza-se com a de Francisco Gonçalves, que passou por três desses postos nos anos de 1980.

Até aos dias de hoje, os ex-guardas fiscais são apelidados de “picachouriços”. A alcunha deve-se a uma espécie de ferro estreito e pontiagudo usado para introduzir na mercadoria a granel, de forma a perceber se continha escondido, no seu interior, algum produto de contrabando.

Francisco Gonçalves juntou-se à Guarda Fiscal em 1978 e, acompanhado pela mulher Maria e pelos filhos, pôde conhecer três dos incontáveis postos que se distribuíam por todo o país. Hoje, nada orgulha mais Francisco do que o seu passado nesta força de segurança. Para o casal, a Guarda Fiscal era não só sinónimo de segurança e estabilidade nas suas vidas (apesar das deslocações implícitas à profissão) mas também de família e camaradagem.

Porém, o respeito e honra pela farda também traziam grandes responsabilidades. Uma delas era precisamente saber quando deixar passar alguém com mercadorias espanholas. Os tempos eram de grande fome e necessidades e as famílias tinham grandes dificuldades económicas. Francisco confessa, com um tom de voz baixo: “às vezes traziam, por exemplo, carne ou traziam qualquer coisa com pouco valor e a gente nunca ligava”. Mas nem sempre era assim. O guarda afirma com toda a certeza que aquilo que mais confiscava era carne e gado. Quando havia uma apreensão o procedimento era fácil: “Traziam-se [as mercadorias] para a secção. Muitas vezes vinham até para tribunal e depois eram vendidas em leilão”.

O momento mais animado era a noite: o período predileto para passar mercadoria na fronteira. Faziam-se patrulhas noturnas que começavam às 22h e terminavam às 6h do dia seguinte. “De noite é que era…”, confessa, revelando que era a altura em que se fazia “mais tráfico de contrabando… Era de café, de droga, de tudo!”, confessa.

Em 1993 a Guarda Fiscal foi extinta, passando a integrar a Guarda Nacional Republicana e a adquirir o nome de Brigada Fiscal.

Aquando da extinção, os postos foram deixados ao abandono, assim como as casas oferecidas aos guardas fiscais e respetivas famílias. O posto de S. Leonardo teve um grande impacto na vida de Francisco, uma vez que foi a sua casa durante 10 anos, mas nem o posto alentejano fugiu à deterioração e à inevitável passagem do tempo.

Francisco e a mulher Maria, sempre presente no trabalho do guarda fiscal, mantêm-se firmes ao dizer que as fronteiras deviam ser controladas como antigamente. Consideram que eram um fator de segurança e, como tal, a abertura das fronteiras “foi das coisas piores que se fez porque começou a andar tudo à deriva”.

Hoje, é com grande saudade e sorrisos que Francisco recorda os anos passados nesta força de segurança onde a disciplina imperava. Sabe um por um o nome dos homens com quem serviu, assim como as regras do fardamento e os horários que fazia. Para o eterno Guarda Fiscal, “há coisas que não se esquecem”, e os 17 anos de serviço são uma delas.


Como funcionava a Guarda Fiscal?

A Guarda Fiscal foi formada a 17 de setembro de 1885. Nessa altura, os Guarda-Barreiras controlavam as fronteiras portuguesas. Quase 100 anos mais tarde, a Guarda Fiscal passou a ser comandada por um General do Exército, no Comando Geral em Lisboa. Hierarquicamente a seguir encontravam-se os Batalhões (de Lisboa, Évora, Porto e Coimbra), Companhias Independentes (nas ilhas), Companhias, Secções e Postos.
As Companhias sedeavam-se maioritariamente nas capitais de distrito e as secções localizavam-se onde pudessem favorecer a ação dos postos. Estes podiam ter inúmeras finalidades: fiscais, de controlo de passageiros, de serviço marítimo e de missões de serviço especiais. Ao longo dos 108 anos de existência, passaram pela Guarda Fiscal inúmeros militares, que se distribuíam por todo o país, conforme o local para o qual eram enviados.