José Couceiro: “Há uma margem de erro grande na avaliação de um jovem jogador”

Diogo Matos, Pedro Sousa e Tiago Barquinha Gonçalves (UMinho)

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Foto: Miguel Bandeira/Record

Vários atletas com 16 e 17 anos que têm um futuro promissor pela frente acabam por não ter o sucesso esperado. É “perfeitamente normal”, assegura José Couceiro, e por isso é ainda mais importante os jogadores jovens terem condições para prosseguir os estudos com sucesso.

Dois títulos europeus, seis finais disputadas e o fornecimento de um número considerável de jogadores à seleção principal. Estes são os dados mais visíveis do percurso dos escalões jovens pertencentes à Federação Portuguesa de Futebol durante esta década. No entanto, o trabalho que está por detrás da entidade que tutela a modalidade no país está intimamente relacionado com a aposta cada vez maior na sua estrutura organizacional.

Há pouco mais de um ano, José Couceiro, treinador com uma carreira de mais de 15 anos, que conta com passagens por clubes como FC Porto, Sporting e Vitória FC e pelas seleções sub-20 e sub-21 de Portugal, assumiu o cargo de diretor técnico nacional da FPF, ficando também com a função de supervisionar as seleções jovens. Em entrevista ao REC, o dirigente referiu que a aposta na formação é “decisiva em termos futuros”, relembrando que “não é uma coisa que começou agora”.

Ainda assim, Couceiro mostra-se contra a “especialização precoce” dos jovens atletas, frisando que se “pode perfeitamente jogar a um nível elevado e ter rendimento escolar”. O facto de metade dos jogadores portugueses que teve no Mundial sub-20 na Nova Zelândia, em 2017, ter conseguido entrar no ensino superior e o desenvolvimento do projeto Unidades de Apoio ao Alto Rendimento na Escola (UAARE), iniciado em 2016/2017, são alguns dos exemplos dados.

Até que ponto considera importante haver um cargo direcionado para as seleções jovens de Portugal?

É sempre importante percebermos que o futuro passa pela formação dos nossos mais jovens jogadores. A federação tem o cuidado, que não é de agora, já que ao longo dos anos tem vindo a reforçar essa atenção, de ter uma estrutura que, conjuntamente com os clubes, potencia as capacidades desses jovens jogadores.

Portanto, é evidente que o trabalho de uma direção técnica, que não abrange só o futebol masculino, mas também o feminino, tem de ser bem desenvolvido. Não é tanto pelo facto de se criar a figura de um coordenador, mas sim pela importância que tem, pelas especificidades que tem. Portanto, a aposta na formação é decisiva em termos futuros, mas não é uma coisa que começou agora. Começou há muitos anos e felizmente tem-se vindo a reforçar essa base estrutural. Daí a minha vinda para a federação.

Ao longo da carreira, lidou com muitos jovens jogadores com expectativas de serem profissionais e de atingirem os maiores palcos do futebol europeu e mundial. Que razões considera serem as mais importantes para que os atletas consigam chegar ao nível que pretendem?

São várias. Basta vermos os números gerais e compararmos a quantidade de
jogadores que começam a jogar muito jovens com o número dos que acabam por efetivamente ter contratos profissionais. A percentagem é muito baixa, sendo que a nível mundial ainda é mais baixa do que em Portugal. A maioria não chega ao profissionalismo. Não basta querer. É preciso um conjunto de condições para que se possa atingir esse nível.

Em primeiro lugar, há uma margem de erro grande na avaliação de um jovem jogador. É natural que haja essas expectativas em muito deles, mas a margem de erro é grande, incluindo nas seleções nacionais. Vamos vendo ao longo das gerações que a esmagadora maioria deles não atinge um nível top. É perfeitamente normal. Até porque o efeito ‘funil’ existe. Há cada vez menos espaço nos níveis de excelência.

No nosso caso, em Portugal, penso claramente que temos que apostar nas pessoas. Temos que apostar na valorização e no potencial que elas têm. Essa valorização não passa só por serem jogadores de futebol. Passa por fazermos tudo para que exista uma carreira dual desde sempre, de modo a que possam continuar a estudar.

Olhando para os números que existem, obviamente que temos responsabilidades a nível educativo e a nível social. Podemos criar condições para que estes jovens que têm o sonho do futebol, de atingir um nível elevado, mas sabendo nós que um número considerável não chega lá, possam ter alternativas. Essas condições nestas idades passam pela escola e pelo seio familiar. Digamos que os três pilares para nós são: em primeiro, a família, a escola e, a seguir, o futebol. É importante não inverter isto muito cedo, ou seja, não entrar em processos de especialização muito cedo. Se invertermos, estamos a incentivar estes jovens a tomar decisões que podem não ser as melhores em termos futuros.

Até que ponto pode ser difícil para um jovem gerir o percurso no futebol com a vertente académica?

Hoje cada vez mais há esse cuidado. É importante realçar o programa UAARE. Neste momento há 16 escolas UAARE em Portugal, que contam com estudantes desde o 1º ciclo até ao ensino secundário. Há mais de 400 alunos nessas escolas, que representam mais de 30 modalidades. No caso do futebol há cerca de 90 alunos.

O que posso dizer é que no ano passado, em que o grupo era de 300 alunos no total, a taxa de sucesso foi de 92,2%. Significa que é muito superior à taxa nacional de sucesso escolar. Pode-se perfeitamente jogar a um nível elevado e ter rendimento escolar. É possível e cada vez mais temos de incentivar isso.

Lembra-se do caso de algum atleta que tinha todas as condições para ser jogador do mais alto nível que acabou por não corresponder às expectativas?

Vou dizer as coisas um pouco ao contrário. Claro que me lembro. A questão aqui não é estar a falar em casos concretos. A margem de erro na avaliação do potencial de um jovem jogador é grande. Houve vários jogadores que passaram por clubes de grande dimensão que foram dispensados, mas que depois, passados poucos anos, acabaram por ter sucessos noutros clubes e fizeram carreiras fantásticas. Há muito exemplos.

O Rui Águas foi júnior do Sporting e teve sucesso no Benfica e no Porto. O Pedro Barbosa, que foi capitão do Sporting durante muitos anos, foi antes jogador do Porto.

O João Moutinho não era titular da equipa sub-17 de Portugal que foi campeã europeia, em Viseu, em 2003. Passados poucos anos passou a ser titular do Sporting e das seleções sub-20 e sub-21.

Há muitos jogadores que não se conseguiram impor logo aos 16/17 anos. Só mais tarde. E há também o caso contrário. Há jogadores que aos 16/17 anos toda a gente pensa que vão ser atletas de nível superior e depois acabam por não confirmar estas expetativas. Há ainda futebolistas que fizeram o seu percurso nas seleções e nos clubes com sucesso e ao mesmo tempo foram alunos com muito bom aproveitamento.

Metade dos jogadores que esteve no Mundial sub-20 da Nova Zelândia, em 2017, tinha entrado naquele ano para a universidade ou já estava no ensino superior. Há vários exemplos de jogadores que conseguiram. Portanto, é possível, mas quando não há muitos apoios torna-se mais complicado. Por isso é que digo que a especialização não deve ser precoce. Não podemos especializar miúdos de 14/15 anos. A carreira dual tem que ser uma necessidade. Têm que estudar e praticar desporto.