Subir as escadas do antigo Casino do Fundão é para muitos lutar por um percurso melhor, com a perspetiva de um emprego estável e uma vida atraente. É lá que decorrem as sessões da Academia de Código, responsável pela formação de pessoas desempregadas na área da computação e tecnologias da informação.

Tiago Santos deixou o emprego em Lisboa, sua terra natal, para acompanhar a família numa nova etapa no interior. A sua mulher empregara-se na Covilhã e Tiago, ao fim de um ano, decidiu seguir-lhe os passos. Tinha como objetivo pedir transferência de emprego para a região, mas a oportunidade de se tornar code cadet na Academia de Código do Fundão fez com que se lançasse no mundo da programação. Ao fim de sete anos e meio a trabalhar na função publica, “a fazer sempre a mesma coisa”, num trabalho muito repetitivo, Tiago mudou completamente a sua vida e começou, tal como queria, a “puxar pela cabeça”.

A ideia que deu ensejo à startup criada em 2015 foi transformar dois problemas numa solução. Problemas: a insuficiência de pessoas qualificadas nas tecnologias da informação e os cidadãos que se encontram no desemprego. Solução: qualificar os desempregados para um trabalho que não encontra profissionais suficientes.

“Foi uma coincidência feliz” o primeiro encontro entre a Câmara Municipal do Fundão (CMF) e a Academia de Código, que decorreu num evento de inovação social em abril de 2016. Segundo o chefe de gabinete do presidente da câmara, Ricardo Gonçalves, tratava-se de uma startup que apresentava uma “proposta ambiciosa”, com o objetivo de criar um novo paradigma, ou seja, “dar resposta à existência de um elevado número de desempregados”. Esses desempregados eram principalmente jovens, e a CMF reconheceu que se estavam a desperdiçar inúmeros talentos.

Um desses exemplos é Igor Busquets, que nasceu em São Paulo e atualmente vive no Fundão, estando empregado na empresa francesa Altran, líder mundial em engenharia e consultoria industrial. O profissional brasileiro terminou o percurso na Academia de Código em agosto de 2017, tendo recebido a proposta de trabalho no último dia do curso.

Igor conheceu a Academia de Código ainda antes de vir para Portugal, e é graças ao projeto que hoje goza de uma nova perspetiva de futuro: “foi uma ajuda sem precedentes”. Não se coíbe de deixar um conselho aos atuais e próximos alunos. “Não deixem nenhuma dúvida passar”, uma vez que a quantidade de informação é enorme, e vai aumentado dia após dia.

Igor Busquets é junior developer, denominação dada aos programadores pouco experientes. No entanto, sonha chegar a sénior. Espera evoluir na carreira continuando a fazer aquilo de que mais gosta: programar. De momento, o percurso faz-se no Fundão, “cidade ótima para viver e começar uma carreira na área”.

São cerca de 400 pessoas que se candidatam a cada bootcamp (nome que a Academia de Código dá às formações; os formandos sãos os code cadets) para apenas 20 vagas disponíveis por temporada. O processo de seleção passa pela avaliação das candidaturas e por workshops em que estão presentes cerca de 40 candidatos. Nesta fase, os possíveis code cadets já têm de mostrar um grande esforço e dedicação ao código, num dia que começa pelas nove horas da manhã e termina já madrugada.

Rúben Maia, um dos formadores do bootcamp, destaca que ao longo de três meses e meio, os futuros programadores são preparados para as condições que vão encontrar ao longo do seu dia-a-dia de trabalho. Segundo o formador, esta é uma das grandes diferenças comparativamente aos cursos académicos da área. Rúben Maia refere que existem pessoas licenciadas em Engenharia Informática a frequentar o curso, pois estas formações são focadas nas metodologias de trabalho existentes na indústria das tecnologias da informação, algo que, diz, não se verifica nos cursos universitários.

O espaço onde decorrem as aulas da Academia de Código situa-se numa das salas do antigo casino fundanense, reconvertida para receber os futuros programadores. Saltam à vista os 20 computadores de alta categoria. Porém, na sala não há só aparelhos informáticos. Há também os antigos quadros de ardósia, para que se possa escrever tudo o que se deseja, sejam palavras descontraídas, desenhos ou fórmulas matemáticas.

Os sofás espalhados pela sala permitem aos alunos descomprimir de um trabalho fatigante, e leões e ursos de peluche abrem espaço para brincadeiras. Segundo o formador, “trabalhar em código leva à frustração”, sendo necessário elementos divertidos para descontrair.

Uma aposta de risco com base na convicção

No Fundão, o investimento em empresas de tecnologias de informação existe, mas a procura de trabalho nunca foi abundante. Com a Academia de Código, essas empresas têm vindo a aumentar. Até ao momento, já se realizaram mais de dez bootcamps na cidade, onde se formaram mais de 200 pessoas. Agora, trabalham a partir do Fundão para qualquer parte do mundo.

A empregabilidade dos alunos da Academia de Código do Fundão está situada nos 96%. Para os restantes 4% que ainda não conseguiram arranjar colocação, o formador Rúben Maia assegura que é apenas uma questão de tempo.

O modelo de financiamento utilizado pelo município do Fundão é um ponto de destaque desta parceria. Os alunos só pagam o curso quando arranjam o primeiro emprego, ficando o risco do lado da câmara municipal. No prazo de um ano, caso os alunos não tenham obtido qualquer proposta de trabalho na área, essas pessoas ficam libertas de qualquer pagamento. Segundo Ricardo Gonçalves, chefe do gabinete do presidente da Câmara Municipal do Fundão, o dinheiro obtido pela realização dos cursos é exclusivamente para a sustentabilidade do projeto com a Academia de Código.

“Precisamos de criar iniciativas novas para gerar talento nestas áreas”, diz o assessor fundanense, que reconhece, no entanto, que a parceria com a Academia de Código se tratou de uma aposta de risco, até pela imaturidade da startup. Contudo, não se coíbe de dizer que, ao fim do segundo bootcamp na cidade, percebeu que tinha sido uma decisão acertada, até pela aceitação “muito boa” por parte do mercado.

“As empresas da região transmitiram que conseguiriam crescer tanto quanto o número de pessoas que o município conseguisse fixar ou atrair para a região”, de forma a alimentar o ecossistema. Para Ricardo Gonçalves, este é um desafio para o qual o executivo tem de estar preparado e disposto a dar respostas novas.

Uma dessas empresas é a Fruition Partners, que detinha apenas dois programadores e um pequeno escritório no início da parceria entre a Academia de Código e o município fundanense. Dois anos depois, trabalham mais de 20 junior developers na empresa sediada no Fundão, que também adotou a cultura dos bootcamps da Academia de Código. Também as instalações da Fruition Partners têm já peluches e sofás espalhados pelos escritórios, de forma a quebrar com a exigência de escrever código horas a fio.

A parceria entre a Academia de Código e a Câmara Municipal do Fundão tem uma duração de três anos, até ao fim de 2019. O projeto envolve, para além da Câmara Municipal do Fundão, o Instituto de Emprego e Formação Profissional e a Fundação Calouste Gulbenkian.

Para além dos cursos vocacionados para os desempregados, a parceria inclui também a disciplina de iniciação à programação para todas as crianças das escolas do ensino básico fundanense. Para Ricardo Gonçalves, esta é uma forma de contribuir para o sucesso escolar, “ao nível da motivação, e devido às bases em matemática”.

Programar em três meses e meio

Tiago Santos reconhece que o curso foi bastante difícil, tendo havido alturas em que questionou a opção que tinha feito. Hoje, é uma pessoa realizada e não se arrepende minimamente da escolha. Deixou o seu emprego à procura de uma vida melhor, e no seu último dia enquanto aluno na Academia de Código, recebeu uma proposta da Altran.

“Sempre achei que a programação seria difícil porque nunca me dei bem com matemática”. Mais virado para as artes, tendo feito o ensino secundário no curso de Design, a programação era vista como algo inalcançável. No entanto, ganhou gosto pelo campo ao longo do seu percurso na formação.

Em relação ao futuro, Tiago é perentório: continuar no Fundão, onde tem a vida toda, e aliar o design com a programação. Quanto aos futuros e atuais alunos da Academia de Código, o junior developer deixa um conselho: “Não tenham medo de arriscar”. Para Tiago, os estudos na área não são determinantes para o sucesso ao longo do curso, mas sim o esforço e a determinação que se leva para dentro da sala de aula. “Muitas vezes as dificuldades que temos, é a nossa cabeça a achar que não conseguimos”.

Nota: na reportagem aúdio refere-se que a empresa Altran é holandesa, mas na realidade a empresa de engenharia e consultoria industrial é francesa.